É certo que a noite é pródiga em muita coisa, ou pode sê-lo.
Não é o livre-arbítrio que a define, alimenta, consubstancia. A noite (normalmente)
resulta do dia, mas complementa-o…se bem que as vezes também o “subtrai”.
A noite encurta espaços e tanto acomoda como incomoda, tal
como o silêncio.
Na noite da tecnologia a luz do ecrã brilha mais, as luzes
brilham mais e o céu eclipsa-se…a noite perde a sua essência, escura, negra,
calma…as ausências perdem-se e sobra a imaginação de ver o luar, o mar, ou,
quando a noite é de imaginação tão fértil que confunde os sentidos, a imaginação
traz-nos o luar espelhado no mar.
Na noite o incerto parece tornar-se certo, mas só a luz do
dia permitirá ver se realmente ocorreu tal transformação ou se tudo se mantém.
A noite por vezes tem mangas compridas, é uma noite de
inverno que começa cedo e acaba tardiamente, que se arrasta, como que puxada e
com as unhas cravadas no chão…
A noite, a noite também cria, a noite tem destas coisas. É tempo
de escrita, de pensamentos soltos e sem destino, de balanço dos “haveres diários”,
de preocupações, de expectativas que por vezes só ficam em pausa quando o movimento
cíclico das pálpebras se torna mais lento e compassado com o ritmo respiratório…
A noite anoitece pela noite dentro, como que vai anoitecendo
– mas sem pôr-do-sol. Vai-se adensando, tomando conta de nós como que se fosse um
abraço de Morpheu.
A noite, tal como o sol, também pode ir “alta”, talvez
porque vai carregada do dia anterior e resolva se sentar em cima dele. A noite,
de facto, confere-nos alguma altura, alguma capacidade de visão periférica, mas tolda o discernimento.
A noite é o tempo de ouvir o ponteiro dos segundos, é o
tempo de ouvir o vento, é o tempo de ouvir a chuva e os carros na estrada molhada…é o tempo de ouvir o
silêncio.