segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Outonices




Hoje, em pleno e quase embriagado ambiente social natalício, parece-me injusta a pouca atenção dada às tardes de outono. Sei bem que as temperaturas dos últimos dias e que o típico mês de Dezembro cheira a Inverno, mas começa ares outonais!

Eu prefiro o Inverno e o Verão aos seus congéneres: talvez efeitos, defeitos e feitios  associados a um alérgico que nunca se separa do seu pacote de lenços de papel. Factores olfactivos à parte, a componente estética das paleta de cores das árvores tem o seu encanto. 

Estas estações de “meias tintas” (outono e primavera) não são “nem carne nem peixe”, mas como que nos preparam para o que há-de vir. Se no caso da primavera nos avisa que está para chegar o inferno “atmosférico” do verão, já o outono lembra que o ano está a terminar (faça-se o seu balanço) e vamo-nos preparar para o novo ano que vem, bem conservado em ambiente fresco, segundo a sabedoria popular, “bom para curtir as carnes”.

Não consigo pensar em outono sem me lembrar “das belas tardes outonais” do Mingos do Rui Veloso…bons tempos a ouvir o álbum em cassete (agora revividos com o CD):

Nesse verão de são martinho/De belas tardes outonais/Tocámos pela última vez/Foi o fim dos samurais

Tudo bem, eu sei que o fim é trágico, com o fim dos samurais, mas o importante, que neste caso justificou a publicação, são as tardes outonais!

Termino com um poema (fantástico) que me deu que pensar…e o outono é propício para essa predisposição cogitativa e uma música convidativa:

Motivo (Cecília Meireles) 

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.




 

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Dificil



Começo a achar que a escrita só flui (ou flui melhor) quando a neura aparece (ou quando a neura é solidária com nerua alheia), quando as condições climatéricas estão entre o bom e o mau ou quando "tem de ser...".

Às vezes vive-se enquanto a vida passa, segue (porque tem e deve seguir). Os minutos consomem-se num ápice de meias horas, as horas voam, os dias passam e as rugas sulcam as faces. Caminha-se como que de olhos fechados para o destino previamente traçado pelo rotineiro caminho do dia-a-dia.

Marca-se um destino no horizonte e é um partir, mas não como quem parte à aventura, mas simplesmente parte...não se pode estar parado, não é? Tudo de passa entre olhares e sorrisos abertos, honestos, de circunstância...

Tudo à volta parece bem, sorridente, feliz...espera-se pela osmose, seguem-se exemplos, tentam-se replicar vivências, procuram-se soluções. Definem-se (e redefinem-se) padrões e requisitos (esquisitos?) para ser feliz, para alcançar esta ou aquela meta. Surgem obstáculos, felizes infelizes e infelizes que desconhecem a sua felicidade. Haverá uma míopia (ou outra qualquer patologia ocular) da "felicidade nostrum"?

Malditos (?) estes dias que me roubam as certezas, levantam incertezas e me tiram do estado por vezes absorto em que caminho no corredor da vida. Então não era só juntar C+D+E aos meus já adquiridos A e B para alcançar "aquilo"?

Resumindo, é dificil...feliz ou infelizmente é difícil viver-se! Venha de lá mais uma materialização da "minha manifestação alérgica" para que ouça um enérgico (mas na 3ª pessoa): VIVA!



segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Música, music, musique...



Não é fácil definir o que é a música e igualmente difícil me é dizer o que a música é para mim.

Quando as palavras não brotam, quando a boca está desidratada e o dicionário mental de sinónimos bloqueia e se desnorteia, há que recorrer a quem tem o dom de fazer das palavras música. 

Cale-se o meu papaguear de caracteres para que se ouça (e leia) o que de mais belo e completo escreveram sobre o assunto - quer se goste do autor ou não (quiçá se passe a admirar ainda mais o seu talento):






Mão na música

A música é tamanha, cabe em qualquer medida...
Na sua mão sobe o ar ao infinito, de lá treme.
A música por um lado vê-se, por outro não se vê.
Nada da música se improvisa por acaso.
A música corre nas gargantas e pode ser tocada com um só dedo.
A música mostra-se feia para os seus pares e bela para os seus ímpares.
A música emudece por vezes os cantores e deixa-os a sós nos camarins à esper...
a do amigo do carrasco.
A música não é a mesma quando ouvida de longe ou quando ouvida de perto.
A música não tem explicações a dar a si mesma. Isso explica tudo.
A música dá asas a quem voa, a quem tem asas para voar.
A música faz aos poemas aquilo que os poemas quiseram fazer dela: render-se. E aos outros propõem; rendam-se. Tréguas e batalhas sem ordem de aviso.

A musica referenda a liberdade? Sim ou não?
A música depende de um botão da liberdade e desunha-se a mostrar os efeitos de num dedo a voz humana.
A musica faz orelha moucas.
A música não se esquece no silêncio, por isso nos lembramos dela. Permanece em mais que um som.
A música vai por vezes mais alto e de uma torre afunda o eco no centro da terra.
A música aguenta-se de pé, dorme sentada, dança e escorrega na cama.
A música pausa e pausa, faz das malas a viagem mas se acena, já de longe, a música atira os seus poemas ao mar e recebe-os nas ondas do dia seguinte, nas garrafas outro povo.
A música perdeu muitos bons poemas no vento contrário, quem sabe era bons.
A música é uma cópia de uma cópia, cara aberta vai ao fundo e vem à tona por respiração.
A música é uma revolução de estilos, é do passarinho herdeira orfã.
A música é orfã.
Quando nasceu os seus pais tinham morrido há pouco. É orfã.

A música esfrega os dedos em tudo o que der som.

A música nunca teve em si mesma uma moral, pensa que não pensa e que não perdura.
Diz-se que faz muito bem ouvi-la alguém que pense e que perdure por ela.
A música não tem barreiras mas o amor por ela, sim.
A música prepara-se, destroçada, mas vaidosa para confessar tudo ao cair do sol.
A música chora e ri ao mesmo tempo, uma criança por razões não exactamente compreensíveis.
A música quer ser perfeita, sempre que por escolha é imperfeita. Por talento dá-se a todas a bondade, a presunção, ressentimento e mais não fosse a quatro tempos.
A música de repente é a mesma nota repetida e outras vezes. A música mede-se com caneta e gravador. É maior e é menor.
A música quando se encontra já lá está.
A música nasceu antes de nós termos nascido com ela.
A música segue a sua sombra e pela sombra é fácil, não há espelho. Ou é ritmo ou é pausa. Ambos dúbios mas reconhecíveis.

A música é feita à janela e aberta vê-se da rua.
A música eriça-se ao menor vento, arranha-se a si mesma, ladra ao ar, risca a terra. Gosta mesmo.
A música quando a chuva cai com barulho de entre as nuvens vê-se o mar em dia de acalmia o que não é explicável nem por norma nem por excepção dos deuses. Digamos que são os sons em dia de ofertório.
A música vai de rio e desagua. Aquece a água doce, rebenta no mar salgado, larga os seus bichos no mar.
A música tem duas mãos, é tocada com um só peito, um só dedo. Da música sobe o ar ao infinito. A música tem um só dedo e um só dedo.
A música tem um só dedo e um só dedo.
Nada da música se improvisa por acaso.


 (Sérgio Godinho)

domingo, 30 de setembro de 2012

Relax


Relaxamento...



Cada um tem a sua praia/campo, cor (preto/branco/azul/verde/púrpura), chill out/heavy para juntar o Yin com o Yang numa homeostasia perfeita.

Relaxar é bom, sim. É uma verdade (quase) absoluta...porque tentar relaxar quando não se pode (ou não tal não se pretende) pode ter precisamente o efeito inverso. Impossível, para mim, relaxar numa paragem de autocarro quando a dita viatura transforma 10 minutos em 45, quando deitado na praia ao passarem me inundam de areia, quando franceses made in Portugal debitam odes num por-de-sol linguístico, transformando (ou transtornado) o ocaso num lusco-fusco curto-circuitado. E mais, alguém consegue relaxar numa noite de insónia quando o se tenta beber do sono no tic-tac do relógio?

O mundo da mente, todos sabemos, tem muito que se lhe diga (e muito a dizer). É um quadro de Renoir, uma composição de Beethoven, um complexo motor de navio tendencialmente perfeito, no qual só deve mexer que o percebe e a quem permitimos o acesso (erradamente dizemos que alguém mexe connosco, mas aí é no órgão cardial ou então tolda-se a visão e, em ambos estes casos, a mente mantém-se lá, intacta, mas inactivada, relegada para segundo, terceiro plano...).


Faz parte do bem-estar "correr", mas também relaxar. Cada um deve conseguir como e quando fazê-lo e que a boa sorte permita que nada nos perturbe ou abale o nosso momento de auto-calibração. 

Findo com duas sugestões musicais (uma mais "teoricamente" dedicada à cogitação, ao "suspirar durante a inspiração")



quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Ponto e vírgula




Novo acordo ortográfico, não obrigado! Bem, não vou por aí…até porque apesar do não, o obrigado é mandatório, pelo que lá se vai o acordo entranhando…aos poucos (até porque não consigo controlar os anticorpos). Mas não me apetece explanar a minha tão pouco “valorável” opinião.

Este “ponto e vírgula”, pretende marcar uma pausa que, claro está, não é um ponto final. Gramaticalmente são bem claros os efeitos que a vírgula faz ao “pobre do ponto”, que vê a sua validade alterada, visivelmente encurtada. Assim, o definitivo altera-se, fica em suspenso. Também na vida, há quem defenda a colocação de pontos finais em certas coisas, mas será essa a melhor solução? Por certo será para os que não admitem “meias tintas”! Não estou a defender a suspensão de decisões, o “mais ou menos” das opiniões, mas antes que o que se tem por certo, pode afinal ser incerto. A vírgula representa o “volte-face”, o fintar o “óbvio”, o tramado do destino que afinal ziguezagueou, perdendo a previsibilidade de movimento uniformemente variado, mudam-se as pontuações, mudam-se as “verdades” (absolutas?)

Quanto à música, bem...a música está cá no intelecto. Às vezes sabe-se perfeitamente que é melhor não parar... 

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Detalhes com limão



Por vezes a questão pode estar nos pequenos detalhes.

Não só apenas nas questões epistemológicas, económicas, pessoais ou profissionais os detalhes são relevantes.

Hoje deparei-me com uma questão, quase existencial para a qual ainda não encontrei resposta. Vou deixar-me de rodeios e dedicar-me ao cerne da questão: qual é a diferença entre um carioca de limão (duplo) e um chá de limão? O fruto é o mesmo, a chávena idêntica, a solução igual e o resultado final, no mínimo, semelhante!

Na origem da questão, e correndo o risco de incluir alguma falácia no meu discurso, direi que para fazer um carioca duplo são precisas 4 a 6 lascas de é preciso um limão (2 a 3 para um carioca) e água e chávena quentes. No que liquido secular diz respeito, o modus operandis consiste em pegar num limão e cortar em quatro partes (em cruz) e 2 colheres de açúcar (que me perdoe o autor, mas considero o “adocicante” dispensável) e ferver, com água, claro, por 4 minutos. A quem ainda não viu as diferenças, proponho que realize um teste cego…

Resumir-se-á a diferença, na vossa perspectiva, à quantidade de casca? Será o ritual? Será uma questão “Chavinista”? O Google não responde…

Esta dúvida já me embaraçou hoje…


( One day, you'll see. Details will make all the difference)

terça-feira, 5 de junho de 2012

Será isto o envelhecimento?




Não me proponho a responder, apenas a questionar…

Acho que envelhecer é sobretudo relativizar e aprender a valorar devidamente os acontecimentos. O impossível passa a complicado, o complicado passa a “deixa lá ver se se consegue resolver”, o que antes era resolúvel passa a complicado, ou a impossível de resolver. 

Será então a vida um “intervalo de cruzamento de braços”? Não me parece…

Reduz-se a capacidade de fazer “das tripas coração” para se aumentar a necessidade de fazer das já referidas miudezas órgão cardial.

Os suspiros de ânsias, convertem-se em suspiros cansados e/ou conformados…quem não é vencido (ainda que por parcas vezes) pelo cansaço que atire a primeira pedra (mas que a atire para onde não provoque grande nem grave dano)!

Passam os dias ao ritmo de epifanias, de mudanças de estados amizades que passam do estado sólido para o líquido e/ou para o gasoso (não necessariamente com a fase intermédia) e, por vezes, reacções inversas…familiares que se pensam ser isto quando afinal são aquilo, gentes exemplares que afinal também falham, erram…também, perdoem-me o “popularismo” da expressão: “metem nojo”.

Em suma, ainda que não existam fases pachorrentas, vai-se a pachorra. Haja boa disposição, esperança e sentido de humor como alguém disse, para se conseguir deixar pão com tulicreme nas migalhas da memória (citação fresca).

Não, não me sinto velho…sinto-me reflexivo. Isso também é envelhecer?

Eternamente jovem? Depende… Conformo-me, convivo, sobrevivo e luto com as circunstâncias.

Para findar deixo duas músicas “amadurecidas”




quinta-feira, 12 de abril de 2012

Proximidade



Isto de proximidades pode parecer mais objectivo do que o é na realidade (aparente). Tem, portanto, muito que se lhe diga… apesar de não me parecer que me vá explanar muito a questão, não vá “estender-me ao comprido”.

Não, este post não terá nada de “adelaides ferreiras” a dar tudo para ter quem quer que seja aqui…até porque para lá da qualidade da música, está uma mensagem que não me apetece aqui e agora, nem será tão oportuna quanto isso.

Nem sempre a proximidade é boa. Há as proximidades que nos fazem reavaliar tudo e todos, quase no domínio “quis saber quem sou, o que faço aqui”. Quando se está resvés com algo significativo que pode ter repercussões definitivas, é inexplicável como o destino pode oscilar entre a “obra do acaso” e a do ocaso, ficasse “perdido” nos locais mais recônditos da mente, entre o racional e o destinado, suficientemente perto e simultaneamente longe…Para término a expressão popular: “não tinha que ser hoje”! 

(a música nada tem que ver, mas "apeteceu-me")



terça-feira, 13 de março de 2012

Há dias



Nunca fui pessoa de “escrita a dias”, tal como é demonstrado pelo último post e pelo “não rendimento” obtido com a actividade.
 
Há quem diga que dias não são dias…talvez os mesmos que aplicam a máxima que assegura que “uma vez não são vezes”. Outros atribuem títulos e títulos para que os dias sejam marcados: pai, mãe, mulher, avós, trabalhador, Portugal e Camões, Dia Mundial de Luta contra a Desertificação e a Seca (esta ordem não é cronológica ou de importância)…hoje foi dia de escrever!
 
Carlos Tê (se não me falha a intuição e a pesquisa) prefere afirmar que “há dias em os dias são como baloiços de bem e mal”.
 
Neste balouçar (ou baloiçar) do dia-a-dia é complicado manter o equilíbrio, a homeostasia… Com tantas bipolaridades as Lianores não conseguem por certo ir sempre à fonte fermosas e seguras. Algumas vezes o objectivo está em alcançar a fonte, outras em na forma como se segue “pela verdura”.
 
Metáforas campestres à parte, com tanto desequilíbrio financeiro, politico, ambiental, emocional e mental, resta a (vã?) esperança que hajam dias, de preferência dos “dias melhores” porque quem não se farta dos “dias assim-assim” ?
 
Acho que acalentados pela crença ou simples convicção no que (ou quem) quer que seja, devemos ter como nosso segredo para a nossa vivência (ou sobrevivência) a abolição de expressões como “há dias de manhã, que uma pessoa à tarde, não pode sair de casa à noite”, ou que o “dia não foi bom nem mau…, antes pelo contrário e vice-versa”.

Encerrando com a habitual componente musical, tentei limitar-me a 3 músicas. Mais alguma sugestão?