Hoje, em pleno e quase embriagado ambiente social natalício,
parece-me injusta a pouca atenção dada às tardes de outono. Sei bem que as
temperaturas dos últimos dias e que o típico mês de Dezembro cheira a Inverno,
mas começa ares outonais!
Eu prefiro o Inverno e o Verão aos seus congéneres: talvez
efeitos, defeitos e feitios associados a
um alérgico que nunca se separa do seu pacote de lenços de papel. Factores
olfactivos à parte, a componente estética das paleta de cores das árvores tem o
seu encanto.
Estas estações de “meias tintas” (outono e primavera) não são “nem
carne nem peixe”, mas como que nos preparam para o que há-de vir. Se no caso da
primavera nos avisa que está para chegar o inferno “atmosférico” do verão, já o
outono lembra que o ano está a terminar (faça-se o seu balanço) e vamo-nos
preparar para o novo ano que vem, bem conservado em ambiente fresco, segundo a
sabedoria popular, “bom para curtir as carnes”.
Não consigo pensar em outono sem me lembrar “das belas
tardes outonais” do Mingos do Rui Veloso…bons tempos a ouvir o álbum em cassete
(agora revividos com o CD):
Nesse verão de são martinho/De belas tardes outonais/Tocámos pela última vez/Foi o fim dos samurais
Tudo bem, eu sei que o fim é trágico, com o fim dos
samurais, mas o importante, que neste caso justificou a publicação, são as
tardes outonais!
Termino com um poema (fantástico) que me deu que pensar…e o
outono é propício para essa predisposição cogitativa e uma música convidativa:
Motivo
(Cecília Meireles)
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
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